sábado, 18 de dezembro de 2010

DESIGNpress (recortes de imprensa sobre design) #1: Henrique Cayatte sobre Andy Warhol e o design, na Cx – a Revista da Caixa (CGD), Outubro 2010

Seguindo um modelo que utilizo no Kuentro (o blogue do BDjornal), para apresentação de recortes de imprensa, que considero de interesse para o tema geral do blogue, inicio aqui a apresentação de textos publicados na imprensa, relacionados com o design, que vou encontrando em jornais, revistas, etc...

Cx – a Revista da Caixa (CGD), Outubro 2010

TER OU NÃO TER

«Um artista é alguém que produz coisas que o povo não precisa de ter,»
Não podia haver afirmação que mais afastasse Andy Warhol do universo do design

Por Henrique Cayatte (designer)

NO ENTANTO, nem tudo o que parece é, e muito do seu trabalho como artista é realizado nalguns dos territórios em que o design se inscreve.

Se imaginarmos que algumas das suas obras, como as latas de sopa Campbell’s, são inspiradas nas tiragens industriais com que os designers lidam no seu quotidiano, percebemos que quase não existe distância entre a percepção que temos de uma marca na parede de um museu ou numa prateleira de supermercado. Warhol, pelo menos, parece ter sempre lutado por isso. Descontextualizar e dessacralizar.

Ao mudar os materiais e as dimensões, é toda a funcionalidade que é retirada.

Com esta atitude, provocou no público uma atenção renovada e um olhar fresco sobre produtos que as pessoas, havia muito, estavam habituadas a ver nas prateleiras desses supermercados e que começavam a ver nas paredes dos museus e das galerias.

Quando, por exemplo, diz que tudo em Hollywood é plástico e que ele próprio gostaria de ser de plástico, ou quando, não só a propósito da Campbell’s como das caixas Brillo, escreve que pinta desta forma porque gostaria de ser uma máquina, Andy Warhol aposta na total quebra das barreiras da percepção.

E consegue-o como poucos.

Numa carta que lhe é dirigida, em 1964, pelo product marheting manager da Campbell Soup Company, é referido o acompanhamento, «por razões óbvias», que a marca tem feito do sucesso alcançado pelos seus trabalhos sobre a lata de sopa de tomate daquela marca.

Muito mais eficiente do que ter encomendado a um designer ou a um publicitário uma campanha sobre aquele produto, as séries que fez para o mercado da arte, e não para o mercado das grandes massas, deram à marca muito mais do que os «quinze minutos de fama», como ele gostava de repetir.

A carta revela, ainda, a impotência deste funcionário em comprar um dos múltiplos que o artista fez devido ao seu elevado preço e remata com um «tomei a liberdade de lhe enviar uma caixa de sopa de tomate para sua casa».

Num comentário, a propósito, feito num blogue brasileiro, escreve-se, com inegável sentido de ácido humor, que, se fosse hoje, a companhia teria enviado uma carta do departamento jurídico a reclamar pelo uso indevido da marca!

Mas os tempos eram outros. Cinco anos depois, Warhol recebe outra carta, esta de Mick Jagger, o ícone dos Rolling Stones, a convidá-lo para desenhar a capa de um dos álbuns mais famosos do grupo: Stychy Fingers.
É exemplar o que Jagger escreve. Começa por lhe agradecer ter aceite o convite, para depois lhe pedir uma proposta de honorários. Mas diz mais. Diz-lhe que a experiência aconselha a que quanto mais simples forem as capas de discos, mais rápido se produzem, mais facilmente são manuseadas e menos atrasos provocam na produção, rematando com um «dito isto, deixo inteiramente nas suas mãos o que quiser fazer».

O resultado foi o conhecido.

Talvez a capa mais complexa de se realizar naquele tempo. Podia abrir-se. o exterior, uma fotografia a preto e branco da parte de cima de umas jeans masculinas e, por dentro, umas cuecas brancas.
Chocou muitas mentalidades, ao ponto de muitas lojas se recusarem a colocá-la nas montras. Foi um dos trabalhos de referência do design dos anos 60, embora tivesse causado muitos problemas no transporte e no empilhamento. É que o relevo do zip - ou, como se dizia também, um fecho éclair -, que se podia abrir e fechar, estragou muitas e muitas capas.
E os discos!
Indesculpável para um designer.

Mas não para um artista para quem ter, ou não ter, um disco em condições de ser tocado não era a questão.



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